sexta-feira, 9 de abril de 2010

Expresso para Varanasi

Respirei fundo e me enfiei na multidão com a cara e a coragem. Mesmo após uma semana ainda não me acostumara àquelas multidões que pareciam brotar das esquinas e ocupar cada metro quadrado de Nova Delhi, capital da Índia. Multidões que lembravam formigas carregadeiras a transportar tralha de um lado para outro - sacos de mantimentos, malas, cachos de banana, gaiola de passarinho, o escambau. Na estação rodoviária a confusão e o atropelo eram ainda maiores, mas não tínhamos escolha: queríamos alcançar o Nepal passando pela cidade sagrada de Varanasi, e o trem era o principal meio de transporte da Índia.


Na verdade eu queria mesmo era me mandar de Delhi, não conseguia me acostumar ao calor de 40 graus, ao assédio permanente de vendedores, trambiqueiros e pedintes, sem falar nos tarados que mais de uma vez me tiraram do sério. Está certo que os peitos da minha mulher mereciam respeito, mas os caras pegavam pesado. Daquela índia que a gente imagina, esotérica, mística e transcendental... necas de pitibiriba. Por todo lado luta ferrenha pelo pão de cada dia, trânsito kamikase, esgoto a céu aberto e prédios em decomposição. Eu só pensava em cair fora daquele buraco, alcançar de uma vez as frescas montanhas do Himalaya, nosso destino final.
Para isso havia comprado passagens num vagão “Super luxo” do Expresso para Varanasi, pois a viagem levava 24 horas e naquela noite eu queria comodidade. Era aniversário da Rô, minha companheira na época, e eu imaginava uma cabine daqueles trens ingleses que a gente vê nos filmes, com paredes de lambris e banheiro privativo, para lhe proporcionar uma noite diferenciada. Descolar quem sabe uma champanhe, fazer amor sem pressa ao sacolejo do vagão, curtir o ar condicionado e apreciar a Índia primitiva a desfilar pela janela.

Pois qual não foi a minha surpresa ao encontrar (depois de muita cotovelada e palavrão) a plataforma indicada no bilhete, e me deparar com uma velha maria-fumaça da II Guerra, vagões encardidos de fuligem, a vomitar gente pelas portas. Não podia acreditar que aquele era o trem “Super Luxo” por cujos ingressos nos haviam cobrado uma boa grana adicional. Ainda alimentei um fio de esperança ao ver nossos nomes (escritos totalmente errados, é claro), na tabuleta de entrada do vagão, mas senti a roubada quando finalmente localizei a “nossa” cabine e abri a porta. Sentados em dois bancos paralelos, colocados um defronte ao outro na cabine de dois por dois, seis indianos nos olhavam com cara de espanto, enquanto um velho ventilador de ferro rangia na parede, na inútil tentativa de aliviar o calor e afastar os odores estranhos que impregnavam o compartimento. Mas sabia eu que nossa desdita estava apenas por começar...
Mas isso já é outra história.

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